A Organização Meteorológica Mundial (OMM), agência especializada das Nações Unidas (ONU) para a meteorologia, alertou em 1º de março para um possível retorno este ano do fenômeno atmosférico El Niño.
Segundo a agência, há uma probabilidade de 15% de o El Niño voltar entre abril e junho. As chances sobem para 35% entre maio e julho, e são de 55% de junho a agosto.
O El Niño provoca um aquecimento fora do normal das águas do Oceano Pacífico na parte equatorial, elevando as temperaturas globais.
Nos últimos três anos, o mundo esteve sob influência do La Niña, que esfria as águas do Pacífico na mesma região e contribuiu para frear temporariamente o aumento das temperaturas no planeta, segundo o secretário-geral da OMM, Petteri Taalas – ainda que os últimos oito anos tenham sido alguns dos mais quentes já registrados.
A última vez em que o mundo enfrentou um forte El Niño foi entre 2015 e 2016. Aquele foi o segundo El Niño mais poderoso desde 1950, atrás apenas do ocorrido em 1997 e 1998.
Sob influência do fenômeno e das mudanças climáticas, o ano de 2016 foi o mais quente já registrado na história, segundo a OMM.
No Brasil, o El Niño naquele biênio intensificou a seca no Nordeste e provocou estiagem prolongada no Norte, centro-norte de Minas e de Goiás e no Distrito Federal. Além disso, houve fortes inundações no Sul, além de impactos sobre o setor elétrico e a produção de alimentos.
Como El Niño afeta o clima no Brasil
O “Niño” que dá nome ao fenômeno é ninguém menos do que o menino Jesus (el niño Jesús, em espanhol). O evento climático recebeu esse nome por ser primeiro identificado por pescadores do Peru e Equador na época do Natal.
“El Niño e La Niña são duas fases opostas do mesmo fenômeno, que chamamos de El Niño Oscilação Sul [ou Enso, na sigla em inglês]”, explica o meteorologista da Climatempo, Vinícius Lucyrio. “É um fenômeno que acopla condições oceânicas e atmosféricas. Ou seja: é o oceano influenciando diretamente nas condições atmosféricas”.
O El Niño é a fase quente deste fenômeno, que traz águas de temperatura mais elevada para a faixa equatorial do Pacífico Sul, na costa norte do Peru e do Equador, se estendendo ao sul da linha imaginária até quase a Oceania.
Isso ocorre por um enfraquecimento dos ventos alísios, um sistema de ventos que sopram de leste para oeste na região equatorial, explica Lucyrio.
Já a La Niña é a fase fria do fenômeno, com temperaturas abaixo da média nas água do Pacífico Sul, sob efeito de ventos alísios fortalecidos que favorecem a ressurgência de águas profundas mais frias na costa do Peru e do Equador.
“É uma ótima fase para pesca, porque traz águas mais ricas em nutrientes das profundezas do oceano para as áreas mais superficiais”, observa.
No Brasil, a La Niña afeta as chuvas nos dois extremos do país. No Sul, elas ficam mais irregulares, favorecendo períodos de estiagem e seca. Já no Norte e Nordeste, há um aumento das precipitações, principalmente entre agosto e fevereiro.
A La Niña também traz temperaturas abaixo da média ao país, ao favorecer a passagem de frentes frias. Isso ajuda a explicar, por exemplo, o verão mais ameno esse ano no Sudeste, observa o especialista da Climatempo.
Já o El Niño traz tempo mais quente em todo o Brasil, principalmente entre o final do inverno e o verão. E, nas chuvas, o sinal se inverte. No Norte e Nordeste, a chuva tende a ficar abaixo da média, enquanto no Sul, fica acima.
“Pode haver inundações severas e solo encharcado no Sul, trazendo prejuízos à produção agrícola”, diz Lucyrio, ponderando que a produtividade na região também pode ser beneficiada pela maior quantidade de chuvas.
Segundo o meteorologista, os modelos apontam uma probabilidade acima de 60% de ocorrência de El Niño no período de junho, julho e agosto. E a transição entre o La Niña e o El Niño deve acontecer de forma mais acelerada do que o padrão histórico.
Impactos para a cana-de-açúcar
Os analistas são cautelosos em apontar possíveis impactos do El Niño na produção agrícola brasileira, já que ainda não é possível saber qual será a intensidade do fenômeno que pode ter início esse ano. Mas, com base na ocorrência do evento climático no passado, é possível obter algumas pistas.
Entre as culturas possivelmente afetadas está a cana-de-açúcar, cujo pico da safra no Brasil ocorre entre abril e agosto. “Se vier um El Niño forte, ele pode levar a um inverno mais úmido. Isso é ruim para o ritmo da safra de açúcar, porque, se chove demais, as usinas não conseguem moer”, explica a analista de açúcar e etanol da HedgePoint, Lívea Coda.
Ela continua: “Também é ruim para a concentração de sacarose, porque, nessa etapa do desenvolvimento da cana, se chove muito, ela fica mais ‘aguada’, com menor concentração de açúcar. Então, poderia ser ruim para a safra 2023/24 do Brasil”.
Segundo ela, se o fenômeno se estender de dezembro a fevereiro, a precipitação no Centro-Sul pode diminuir, principalmente no norte de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, comprometendo a próxima safra.
“Havendo um evento climático que afete a moagem, afeta tanto para o açúcar, como para o etanol. Se tiver um El Niño muito forte, que atrapalhe o ritmo da safra, pode ter um impacto na disponibilidade total de produto, e isso é uma pressão inflacionária para preços”, explica. “Mas precisaria ter um evento muito forte, muito relevante, para isso acontecer e termos de fato um problema na safra brasileira de cana”.
Mais milho
O analista de grãos e proteína animal da consultoria, Pedro Schicchi, explica que um inverno mais úmido pode ser benéfico para a safra de milho de inverno no Mato Grosso e Goiás.
“Se a chuva realmente vier e tivermos maior produção de milho, isso pode reduzir o custo da ração para os produtores de frango e suínos”, diz Schicchi.
Mas isso pode não necessariamente impactar o consumidor final, afirma o analista. “Pode ser que essa redução de custos não seja repassada por diversos motivos, como o alto volume de exportação, real desvalorizado. Então, isso interage com outros fatores de mercado”, diz.
E o setor elétrico?
No Brasil, os principais reservatórios hidrelétricos ficam nas regiões Sudeste e central do país.
“Para o setor elétrico, geralmente a La Niña é melhor, porque favorece a formação de zona de convergência do Atlântico Sul e frentes estacionárias nessas regiões”, explica o meteorologista Filipe Pungirum, mestre em Clima pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
“O El Niño favorece um tempo mais quente e seco na porção centro-norte do país e, por isso, não costuma ser positivo para a manutenção dos reservatórios de energia”, completa.
Por regiões, os reservatórios de Norte, Nordeste e Minas Gerais costumam ser prejudicados por um El Niño forte, enquanto o Sul é beneficiado, mas a região tem poucos reservatórios.
O fenômeno também costuma elevar as temperaturas nas capitais, pressionando a demanda, já que o ar-condicionado se tornou o principal fator de pico do consumo elétrico nacional.
O meteorologista pondera, porém, que os reservatórios do país se encontram em excelente momento.
Segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), os reservatórios do Sudeste e Centro-Oeste encerraram fevereiro em patamares superiores a 70%, maior nível desde 2012. Enquanto no Sul e Nordeste, os níveis estão acima de 80%, e no Norte, em quase 100%.
“Mesmo se esse próximo El Niño for bem rigoroso e tivermos poucas chuvas, não vai ser tão grave quanto nas últimas crises”, acredita o especialista.