Com apenas 24% da área agrícola com sinal de internet, Brasil tem o desafio de conectar o produtor rural
Uma fazenda conectada é mais produtiva e o produtor rural brasileiro sabe disso há muito tempo. Do escritório na fazenda, ele monitora a operação de dezenas de máquinas nas lavouras e até antecipa quando uma delas poderá precisar de manutenção. Enquanto colhe o grão, o agricultor já negocia – e fecha – a venda, seja para mercados internos ou externos. Não há limite para as possibilidades que a inteligência artificial ou a simples conexão com a internet podem abrir para o agronegócio. Mas existe um “detalhe” que pode tornar toda essa realidade apenas um plano: a conectividade.
No Brasil, apenas 24% da área agrícola, cerca de 20 milhões de hectares, tem sinal 3G ou 4G, concentrados no Sul e Sudeste. Os dados são da Associação Conectar Agro, que reúne empresas do agronegócio e de tecnologia, entre elas, a Tim Brasil. Segundo o diretor de Desenvolvimento de Mercado IoT & 5G da operadora, Alexandre Dal Forno, em seis anos de projeto, a empresa já levou internet para 18 milhões de hectares de áreas produtivas. “É considerável, mas ainda está aquém dos 60, 70 milhões [de hectares] de área produtiva que temos.”
Para Eduardo Penha, diretor de Marketing e Comunicação da Case IH para América Latina, um dos principais impactos está na tomada de decisão do negócio. “A falta de internet no campo impede que se faça a gestão de dados, seja de máquinas ou agronômicos, em tempo real. Atrapalha a tomada de decisões em tempo real.”
Resultados da fazenda conectada
Uma prova disso são os resultados da Fazenda Conectada da Case IH, criada em setembro de 2021, em Água Boa, no Vale do Araguaia, com o objetivo de mostrar para o produtor rural todos os benefícios que a conectividade pode trazer.
“Já na segunda safra, tivemos resultados surpreendentes, com produtividade 7,3% acima da média das fazendas do município; 7,6% acima das fazendas de Mato Grosso; e 13,4% superior à média do Brasil”, exemplificou Penha. Outro ponto destacado pelo executivo foi a redução de 5,7% no tempo de motor ocioso e, com isso, a economia de 25% no consumo de óleo diesel.
Mudança cultural
Mas para chegar a essa eficiência agrícola, operacional, financeira e de sustentabilidade, foi preciso mexer na cultura do agricultor. “Não basta a conectividade, a antena, as máquinas conectadas para a fazenda fazer uso de todos os benefícios. Tivemos que trabalhar uma mudança cultural muito forte, desde o dono, gerente, agrônomo e os operadores. O pessoal não estava acostumado a ser monitorado e a medir os resultados. Hoje, o dono está junto nessa e consegue, no celular, medir tudo que está acontecendo na fazenda”, avalia Penha.
A conectividade na próxima década
“Os próximos 10, 20 anos serão divertidos”, brinca o COO Brasil e América Latina da Solinftec, Emerson Crepaldi, ao avaliar como o agricultor brasileiro deve evoluir com maior conectividade. “Vamos ver saltos estratosféricos. Esse produtor já usa muito a tecnologia. A diferença é que, com conectividade, ele dá um salto gigante comparado com outros países que, muitas vezes, têm subsídios, uma safra só por ano e um período maior de planejamento”, avalia o executivo. “Estamos falando em aumentar a produtividade em 20% e reduzir em 80% a aplicação de herbicidas.”
Para Artur Yabe Milanez, gerente do Departamento do Complexo Agroalimentar e de Biocombustível do BNDES, a agricultura familiar é um gargalo na questão da conectividade. “Precisamos criar modelos de negócios mais interessantes”, afirmou. Segundo ele, agroindústrias e cooperativas são agentes importantes para ampliar a conectividade. “Elas podem agregar a demanda do acesso à internet. Isso facilita a operação comercial com a operadora, algo semelhante a planos corporativos.”
Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura e professor emérito da Fundação Getúlio Vargas, enxerga o mesmo potencial. “A cooperativa agropecuária tem que investir na conectividade. O sistema público é mais lento, mais caro, mais complicado, mais burocratizado”, avalia.
Segundo ele, em quatro ou cinco anos será possível ver grandes resultados desse movimento. “A agricultura precisa de quatro pilares: custo baixo, produtividade alta, qualidade boa e sustentabilidade. Esses quatro pontos você encontra na tecnologia. Então o resultado é na veia, o custo vai cair muito e a produtividade vai aumentar porque tem eficiência no processo”, conclui Rodrigues.