A produção agropecuária na Bahia é diversa, em um Estado que tem o tamanho da França, congrega três biomas (Caatinga, Cerrado e Mata Atlântica), e se beneficia deste espaço e do clima para a produção pecuária, de fibras, frutas e fibras. No caso específico da fruticultura, a produção de laranja vem despontando na região da Linha Verde, ou da BA-090, rodovia que liga a Bahia a Sergipe e que concentra pequenos municípios produtores. Entre eles, está Rio Real, o principal produtor de laranja do Estado, segundo o Censo de 2023 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Rio Real desponta no topo da lista de municípios produtores, tendo contribuído com uma receita de R$ 156.553.000,00 em 2023, representando 38,70% do faturamento total do Estado no ano passado, que foi de R$ 404.459.000,00. Desde 2019, quando o faturamento foi de R$ 297.832.000,00, o faturamento cresceu 35,80% até 2023.
Percorrendo as estradas que ligam micro, pequenas e médias propriedades em Rio Real, os pomares de laranja são uma paisagem comum. Em comum também entre o desenvolvimento destas propriedades que prosperam com suas produções de laranjas e limões, está a transferência de conhecimento não só para incrementar a produtividade, mas também para ensinar gestão e tornar as propriedades em um negócio, mais do que um ganha pão. ]
Neste cenário, entra o apoio de técnicos do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) Bahia, por meio da Federação da Agricultura e Pecuária da Bahia (Faeb), visitando mensalmente as propriedades para ensinar o manejo, gestão e auxiliar no monitoramento das atividades.
João Gabriel Oliveira Figueiredo, médico veterinário e supervisor técnico no Senar/Faeb ressalta a importância deste tipo de serviço de extensão rural para a prosperidade do agro. Ele exemplifica esta questão relembrando o acompanhamento na propriedade de Luan Roger Gama Danta, produtor rural no assentamento José Elizeu dos Santos, em Rio Real, Bahia.
PRODUZINDO MELHOR E ‘ELIMINANDO’ O ATRAVESSADOR NA NEGOCIAÇÃO
Antes de começar a prosperar na citricultura, Luan Roger Gama Danta, produtor rural no assentamento José Elizeu dos Santos, em Rio Real, Bahia. sobrevivia junto de sua família com o cultivo de culturas curtas, como feijão, milho, amendoim, feijão de corda. Para além disso, Danta também trabalhava em empregos temporários.
“Era um trabalho árduo, como roça, ajudante de pedreiro… Eu tenho uma mulher e uma filha de quatro anos e preciso correr para tudo o que é lado para conseguir não deixar faltar nada”, disse.
Ele conta que viu no assentamento onde vive com a esposa, filha e mãe, uma oportunidade para prosperar. Mas sem a orientação técnica necessária, tanto para produzir melhor quanto para gerenciar a propriedade ou conseguir melhores condições de comercialização do produto, muitas vezes a venda do produto cultivado naquele pequeno pedaço de chão não trazia lucro.
“Eu não tinha noção de como fazer. Às vezes a gente gastava R$ 1.000,00 aqui em uma roça, e quando ia vender, com a questão do atravessador, acontecia de fazer R$ 500,00, R$ 700,00 reais na venda, às vezes R$ 1.500,00, ou pegar o mesmo dinheiro que tinha gastado”, explicou o produtor, ressaltando a inconstância da renda.
O primeiro passo quando Danta resolveu apostar na laranja veio quando ele decidiu vender o carro da família para tentar apostar na cultura com um cronograma. “Fiz um orçamento de adubo, pulverização, mudas, preparação do solo, para ver se aquele dinheiro do carro dava”, relatou.
Assim que percebeu que a conta fechava, investiu, e após cerca de seis meses do pomar já implantado, surgiu a oportunidade para o produtor rural passar a ser atendido pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) Bahia, por meio da Federação da Agricultura e Pecuária da Bahia (Faeb). Ao todo, na propriedade de Danta, são 400 pés de laranja pêra, 40 de poncã, 25 de laranja lima, 20 de suponcã, e 20 de laranja de umbigo.
O auxílio pelo programa ajudou Danta a passar a apostar na gestão, calcular a mão-de-obra, anotar todos os detalhes envolvendo a produção, cortar gastos desnecessários, realizar o manejo correto, como podas, por exemplo.
Danta aponta que já colheu 5.840 quilos de laranja, desde que começou a plantar. Na última safra, ele relata ter colhido 3.200 quilos da fruta. “Na primeira vez, como os pés da laranja eram pequenos, tinha que ir tirando a laranja aos poucos, conforme iam amarelando. Então comecei tirando 30 quilos, 100 quilos, depois 600 quilos, 690 quilos, até quando foi possivel deixar todos os frutos no pé e fazer a colheita da última safra, resultando em 3.200 quilos de laranja”, contou. Com esta safra, foi possível fazer R$ 9.780, vendendo por peso ou por caixa, e tirando a despesa deste ano, a renda para a família ficou em cerca de R$ 7.000,00.
“O meu pensamento, de plantar frutas cítricas variadas, é chegar diretamente ao consumidor, ou o mais próximo possível, como quitandas, supermercados, para fazer os negócios diretamente, cortando o vínculo com o atravessador”, afirmou.
FILHO COMO MULTIPLICADOR DA INFORMAÇÃO
Assim como Danta, o filho do produtor de citros de Rio Real, Reginaldo Corsino do Nascimento, Gabriel, fez o curso Negócio Certo Rural (NCR) pelo Senar/Bahia, Gabriel, que trabalha como engenheiro civil em Itabuna, na Bahia, transferiu o que aprendeu para o pai e hoje auxilia, ainda que de longe, nas anotações dos dados obtidos na propriedade do pai, enquanto Régis, como gosta de ser chamado, e a esposa, Cláudia, atuam na parte operacional.
Régis relata que não deixava o filho “se meter” nas atividades da propriedade, mas depois do curso, passou a adotar o sistema de anotações, contas, custos, produtividade ensinado durante o curso que o filho participou. “Antes, a gente não tinha controle certo das operações aqui, agora é tudo ‘no bico da caneta’”, conta.
Sobre os investimentos, ele relata que, no início, não havia prejuízo, e que a família fazia empréstimos no Banco do Nordeste para o custeio, em nome de Régis, Cláudia, e dos filhos, pagando um por vez. “Até então era investimento no vermelho, e de 2023 até o momento, quando o preço da laranja deu um salto, cheguei a vender 40 toneladas de laranja a R$ 2.250,00 por tonelada, já deu para sair do vermelho e fazer os investimentos por conta própria e ainda ter margem”, comemorou Régis.
Parte das laranjas que são produzidas no sítio de Régis são vendidas como laranja de mesa, e outra parte vai para Maratá, em Sergipe, para ser processada e virar suco. “Hoje, como São Paulo está escassa de frutas, então a maior parte da produção vai para lá”.
“Começamos com uma produtividade baixa, em média de 12 a 15 toneladas por hectare há cinco anos, e agora a média é de 35 toneladas por hectare anualmente, uma evolução grande, e a estimativa é que no próximo ano, a produção cresça para 40 toneladas por hectare”, relatou o produtor.
Ele conta que já plantava laranjas na propriedade em Rio Real, em 2012, e que o pomar da família passou por uma queda na produtividade durante um período de seca severa. “Fiquei sem recursos, mas voltei a refazer o pomar, sem correção de solo, sem tratamento, plantando na fé e na coragem”.
Com os conhecimentos trazidos pelo filho Gabriel, o sistema na propriedade começou a mudar, com a utilização da muda do limão para realizar a enxertia da laranja, outros tipos de manejo, até começar a melhorar a produção.
No total, são 5,65 hectares de área plantada, com plantas de três anos de idade, 8 anos, além de 225 plantas de 22 anos de idade, que foi a área que a seca afetou mais, deixando a família praticamente sem recursos. No total, são cerca de 3 mil pés de laranja.
“Primeiramente, no manejo, começamos a mudar as coisas por aqui fazendo a análise de solo, correção, análise de solo de 0 a 20 para calcário, correção de solo de 0 a 40 para gesso, e depois destes tratamentos, as plantas começaram a evoluir e a produção mudou. Passamos a fazer a adubação corretamente, na quantidade necessária. Hoje agradecemos muito o conhecimento trazido pelo Senar, porque se não tivesse o conhecimento dos técnicos, a produção até poderia evoluir, mas não nessa velocidade”, afirmou.
O produtor cita também o aprendizado para mudar as práticas de controle de pragas no momento certo, e controle de ervas daninhas com pré-emergentes. O gargalo, segundo Régis, é o acesso a maquinário e mão-de-obra, que são contratados de fora ou cedidos pela empresa que compra a produção. Isso atrapalha, porque em alguns momentos, como o produtor conta, é preciso fazer pulverizações para controlar alguma doença, e se não há disponibilidade, o impacto pode aumentar.
Questionado sobre o que faz esta região de Rio Real produzir bem, além dos investimentos, o clima, com um inverno favorável, ajuda a fruta a crescer. “Quando começamos a mudar as coisas por aqui, os vizinhos estranharam, mas hoje eles falam que eu dei sorte. Mas não é sorte, é fé em Deus, coragem e força de vontade para fazer investimentos”.
GRANDE PRODUÇÃO, MAS COM OS MESMOS DESAFIOS DAS PEQUENAS
Na propriedade da Agrocitrus, Pomar Ouricuri, também em Rio Real, a proporção da produção é diferente das outras propriedades. Entretanto, o risco enfrentado com o perigo iminente de pragas e doenças se assemelha às propriedades menores. No local, são mil hectares com 600 mil pés de laranja, com produção média de 100,7 quilos por planta. O foco das vendas da fruta é para consumo como laranja de mesa, e pequena parcela para suco.
Marciel Germano, engenheiro agrônomo no Pomar Ouricuri, aponta que o clima é muito diferente do de São Paulo. “Principalmente nos últimos três anos, vieram chuvas fora de época, e como havia um estresse hídrico que foi aplacado por estas chuvas, a florada veio. Também trabalhamos com a poda como um elemento chave, que ajuda a ter uma produção fora de época”, disse. A região litorânea, onde está situado o Município, é favorável à vinda de chuvas, segundo o especialista.
O conhecimento, de acordo com Germano, é disseminado dentro da propriedade por meio de cursos internos. “O tratorista, por exemplo, pode ser contratado apenas tendo a habilitação, mas aqui a gente ensina todas as técnicas para que ele possa atuar de maneira a contribuir para o aumento na produção.
O especialista destaca que , aponta que o greening, por exemplo, que é uma doença já conhecida no Cinturão Citrícola paulista, ainda não chegou à Bahia, mas que existe o risco. O especialista destaca que existem planos de contingenciamento caso a doença chegue ao local.
IMPULSO POR MEIO DA TRANSFERÊNCIA DE CONHECIMENTO
Humberto Miranda, que é presidente do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) Bahia e Federação da Agricultura e Pecuária da Bahia (Faeb), conta que o apoio aos micro, pequenos e médios produtores é essencial para que a Bahia tenha atingido os patamares que chegou na produção citrícola.
Segundo o dirigente, é por meio desta assistência com constância e da aceitação dos produtores que o ganha pão vai se tornando um negócio rentável.
“A Bahia é um Estado muito diverso, e é fundamental levar para dentro das propriedades modelos de tecnologia e inovação que seja adequado ao sistema de produção do futuro. Não dá para fazer mais nenhum processo de produção no campo com base no empirismo, com improvisação. Precisamos encarar como um negócio rural.