A agricultura e a tecnologia financeira são dois setores que desempenham papéis fundamentais na economia global.
Enquanto a agricultura alimenta a população fazendo parte do desenvolvimento econômico, as fintechs mudam a forma como as transações financeiras e os serviços bancários são realizados.
A convergência desses dois campos deu origem a um termo emergente: agfintech. Ele combina a inovação tecnológica do setor financeiro com as necessidades específicas do setor agrícola.
Essa interseção traz novas soluções para agricultores, pecuaristas e demais agentes da cadeia produtiva. Mas como isso é operacionalizado, na prática? Entenda melhor a seguir.
O que é Agfintech?
Agfintech é um termo que representa a convergência entre a agricultura e a tecnologia financeira (fintech).
Essa combinação busca aplicar soluções financeiras inovadoras e tecnologicamente avançadas para atender às necessidades do setor agrícola.
A agfintech envolve o uso de tecnologias digitais, como aplicativos móveis, plataformas online e análise de dados, para fornecer serviços financeiros personalizados e eficientes para agricultores, pecuaristas e demais agentes do agronegócio.
A principal proposta dessa solução é facilitar o acesso a serviços financeiros, agilizar as transações e melhorar a gestão financeira no campo.
Por meio de soluções tecnológicas, os agricultores podem realizar atividades como solicitar crédito agrícola, fazer transações eletrônicas, gerenciar fluxo de caixa, realizar pagamentos e obter seguros agrícolas, de forma mais rápida, transparente e conveniente.
Essa integração entre a agricultura e a tecnologia financeira tem o potencial de impulsionar a produtividade agrícola, promover a inclusão financeira no setor rural e contribuir para o desenvolvimento sustentável do agronegócio.
Para Gabriela Joubert, estrategista-chefe do Inter e Matheus Amaral, analista de bancos do Inter, a busca por digitalização seguirá cada vez mais intensa à medida que a tecnologia e o acesso a ela se tornam cada vez maiores no campo.
“O mercado de crédito rural de modo geral pode seguir alguma tendência neste sentido. Não vemos maiores ameaças no momento para os players incumbentes, mas é um ambiente que deve também passar por modernizações com inovações para atender a demanda cada vez mais digital”.
Classificações das agfintechs
As agfintechs podem ser classificadas em três categorias distintas, de acordo com o Índice de Confiança no Agronegócio, considerando as etapas antes da porteira, dentro da porteira e depois da porteira.
Essas classificações refletem o foco e o escopo das soluções financeiras oferecidas no contexto do agronegócio.
1. Antes da porteira
As agfintechs classificadas como “antes da porteira” concentram-se em fornecer soluções financeiras para as etapas iniciais da cadeia produtiva agrícola.
Elas englobam desde o financiamento agro para a aquisição de insumos agrícolas, como sementes, fertilizantes e defensivos, até a oferta de crédito rural para custeio da produção.
Também auxiliam os agricultores a obterem recursos financeiros necessários para iniciar suas atividades e garantir o adequado manejo das lavouras.
Entre as soluções centrais, estão:
Análise Laboratorial;
Controle biológico;
Economia compartilhada;
Genômica e Biotecnologia;
Insumos (semente, mudas, fertilizantes).
2. Dentro da porteira
As agfintechs classificadas como “dentro da porteira” concentram-se em oferecer soluções financeiras relacionadas à gestão e operação das propriedades rurais.
Isso inclui, por exemplo, o fornecimento de crédito para investimentos em maquinário agrícola, tecnologias de irrigação, armazenamento de grãos e sistemas de monitoramento.
Além disso, essas fintechs podem oferecer serviços de gestão financeira, como controle de custos, análise de viabilidade econômica e gerenciamento de riscos agrícolas. Veja as principais:
Agropecuária de precisão;
Aquicultura;
Conteúdo, educação e rede social;
Gestão de resíduos e água;
Máquinas e equipamentos;
Sensoriamento remoto;
Gestão de Dados Agrícolas, Analytics e IoT;
VANT;
Meteorologia e irrigação.
3. Depois da porteira
As classificadas como “depois da porteira” concentram-se em soluções financeiras voltadas para as etapas finais da cadeia produtiva agrícola.
Isso abrange desde a comercialização da produção até o acesso a serviços de logística, seguro de colheita e até mesmo a negociação de contratos futuros de commodities agrícolas.
Essas fintechs ajudam os produtores a maximizarem os retornos financeiros de suas safras, oferecendo ferramentas de negociação, acesso a mercados e proteção contra riscos comerciais. Entre elas, estão:
Armazenamento, infraestrutura e logística;
Bioenergia e Biodiversidade;
Indústria 4.0;
Plataforma de negociação e marketplace de vendas;
Segurança alimentar e rastreabilidade;
Sistemas de embalagem e meio ambiente e reciclagem;
Farm-to-table.
Como funciona uma Agfintech?
Uma agfintech opera por meio de plataformas online e aplicativos móveis, oferecendo soluções financeiras personalizadas para o setor agrícola.
O funcionamento de uma agfintech envolve os seguintes aspectos:
Digitalização dos processos: utilizam tecnologias digitais para simplificar e agilizar os processos financeiros no agronegócio. Isso inclui a coleta de dados agrícolas, análise de riscos, verificação de crédito, automatização de transações e acesso a informações em tempo real;
Oferta de serviços financeiros especializados: oferecem uma ampla gama de serviços financeiros adaptados às necessidades dos agricultores e demais agentes do setor. Isso pode incluir empréstimos agrícolas, linhas de crédito, antecipação de recebíveis, seguros agrícolas, gestão de pagamentos, investimentos e negociação de commodities;
Análise de dados e tomada de decisão: por meio da análise de dados, fornecem insights valiosos para os agricultores, permitindo uma tomada de decisão mais informada. Essa análise abrange desde indicadores de desempenho financeiro até previsões de mercado, riscos climáticos e recomendações agronômicas;
Conexão entre agentes do agronegócio: facilitam a conexão entre agricultores, instituições financeiras, fornecedores de insumos agrícolas e outros participantes do mercado. Isso promove parcerias estratégicas, acesso a financiamento agro, negociação direta de produtos e serviços, e criação de uma rede de relacionamentos no setor.
As vantagens das agfintechs para o setor agro
As agfintechs oferecem uma série de vantagens para o setor agrícola, trazendo benefícios significativos tanto para os agricultores quanto para o agronegócio como um todo. Veja as principais.
Leonardo Alencar, head de Agro, Alimentos e Bebidas da XP explica que, no caso do Brasil, entre outros benefícios, um dos mais significativos é com relação ao crédito.
Segundo o especialista, o agronegócio ainda é carente de crédito, mesmo com o Plano Safra. E é neste contexto que entram as agfintechs.
“Mesmo com o plano safra, o produtor que acessa o plano, muitas vezes consegue apenas reajustar a inflação do volume que ele pega todos os anos, mas não consegue aumentar tanto a produtividade, porque o plano não consegue sustentar esse crescimento mais acelerado”, afirma
Neste sentido, segundo Alencar, as agfintechs se colocam no mercado com soluções eficientes para os produtores.
“As agfintechs vem buscando ocupar esse espaço, com análise dos produtores para poder fazer uma carteira de crédito mais inteligente e ajudar no processo de captação desse dinheiro. Tem sido um ponto relevante nos últimos tempos”.
Acesso simplificado ao crédito agrícola
As agfintechs facilitam o acesso ao crédito rural, tornando o processo mais ágil, desburocratizado e inclusivo. Por meio de plataformas online, os agricultores podem solicitar empréstimos de maneira mais conveniente e receber respostas mais rápidas.
Isso permite que eles tenham acesso a recursos financeiros necessários para investir em suas atividades, adquirir insumos agrícolas e modernizar suas operações.
Gestão financeira eficiente
As agfintechs oferecem soluções tecnológicas que ajudam os agricultores na gestão financeira de suas propriedades.
Por meio de aplicativos móveis e plataformas online, é possível controlar custos, monitorar receitas e despesas, analisar a rentabilidade de culturas específicas e obter uma visão mais clara do fluxo de caixa.
Com essas ferramentas, os agricultores podem tomar decisões mais informadas e melhorar sua eficiência financeira.
“Apesar de ainda não representarem de forma relevante no mercado de crédito rural, que ainda é dominado por instituições de grande porte e também pelas cooperativas, além de possuir forte incentivo do plano safra, as agfintechs têm explorado a demanda digital e maior apetite por menos burocracia”, consideram Gabriela Joubert e Matheus Amaral, do Inter.
Redução de riscos e proteção contra intempéries
As agfintechs oferecem soluções de seguro agrícola que ajudam os agricultores a protegerem suas lavouras contra riscos climáticos, pragas, doenças e outros eventos adversos.
Por meio da análise de dados e tecnologias de monitoramento, as agfintechs podem oferecer seguros personalizados, com prêmios mais justos e coberturas adequadas.
Isso ajuda a mitigar os riscos associados à produção agrícola e a garantir uma maior segurança financeira para os produtores.
Gabriel Motomura, sócio e co-head do BTG Pactual Empresas, lembra que soluções como esta são “complementares” ao que já é oferecido, mas acabam passando despercebidas.
O especialista cita exemplo como os sistemas de analise de imagem por satélite e os sistemas de previsão de produtividade.
Oportunidades de investimento e parcerias
As agfintechs proporcionam um ambiente propício para conectar agricultores a investidores interessados no setor agro.
Por meio de plataformas de crowdfunding e negociação de contratos futuros, os agricultores podem acessar recursos financeiros para expandir suas operações, adotar tecnologias avançadas e inovar em suas práticas agrícolas.
Além disso, as agfintechs também promovem parcerias estratégicas entre agricultores, instituições financeiras e fornecedores, impulsionando a colaboração e o compartilhamento de recursos.
Quais são os impactos das Agfintechs no agronegócio?
Apesar dos benefícios trazidos pelas agfintechs, é importante destacar que o acesso a essas soluções ainda pode ser limitado em algumas regiões rurais devido a desafios de infraestrutura e inclusão digital.
A disponibilidade de acesso à internet de qualidade e a capacitação digital são fatores-chave para que os agricultores possam aproveitar plenamente os benefícios das agfintechs.
Além disso, a utilização de tecnologias digitais e a coleta de dados financeiros podem levantar preocupações relacionadas à privacidade e segurança das informações dos agricultores.
Por isso, é importante que as agfintechs adotem medidas robustas de proteção de dados e garantam a transparência no tratamento das informações dos usuários.
Dados sobre as agfintechs no Brasil
Uma das pesquisas mais recentes sobre o cenário das agfintechs no território nacional é o Radar Agtech Brasil 2021/2022. Esse relatório foi feito pela Embrapa, SP Ventures e Homo Ludens com apoio do Distrito.
O levantamento descobriu que existem 1.703 startups atuando no agronegócio. Um valor de 7,5% a mais do que o registrado no Radar. Dessa quantidade, 1046 estão no Sudeste, 436 no Sul, 106 no Centro Oeste, 89 no Nordeste e 26 no Norte.
São Paulo (SP), Curitiba (PR) e Piracicaba (SP) são as três cidades com mais agtechs do Brasil.
O estado de São Paulo manteve a liderança em quantidade de agtechs com 800 startups.
Outro dado é que 44,4% dessas empresas atuam depois da fazenda, 41,4% dentro da fazenda e a menor parte, 14,2% atua antes da fazenda.
Em relação aos investimentos recentes, o AgTech Pocket Report 2022 descobriu que o Brasil fica em 6ª lugar nos países que mais investem no setor. Ele também encontrou uma concentração dos aportes do investimento de risco nas startups da agricultura de precisão.
Ele também apresenta algumas tendências centrais: “carne de laboratório, a regularização do mercado de carbono no Brasil e redução do número de hectare por cabeça de gado — as duas últimas fazem parte da política de carbono zero.
Os números crescentes vão em linha com a avaliação de Leonardo Alencar. Segundo ele, o setor ainda é incipiente no Brasil, porém possui grande potencial.
“O mundo das agfintechs ainda está incipiente no Brasil, está crescendo muito e muitas empresas estão indo bem, mas ainda é pouco perto do potencial, tanto que temos visto que as agfintechs no Brasil tem atraído investimento de outros países”, conclui.
Resumo
Reunindo tudo que foi dito:
Agfintechs são empresas que combinam tecnologia e serviços financeiros para atender às necessidades do setor agrícola;
O objetivo dessas startups é oferecer o acesso simplificado ao crédito agrícola, a gestão financeira eficiente e a proteção contra
riscos no agronegócio;
Elas podem ajudar a promover a modernização e a inclusão financeira, facilitando o acesso a tecnologias e serviços
financeiros para agricultores;
Ainda existem desafios, como infraestrutura limitada e preocupações com privacidade e segurança de dados;
Em 2022, o Radar Agtech Brasil 2021/2022 mapeou 1073 empresas atuando no setor.