A floresta amazônica é responsável pela remoção de 400 milhões de toneladas de carbono da atmosfera a cada ano. Entretanto, as mudanças climáticas e o desmatamento na região podem transformar áreas de sumidouros de CO2 em fontes emissoras.
Nesse contexto, um estudo realizado no programa Análise Ambiental Integrada da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), com apoio do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), desenvolveu um modelo de inteligência artificial para mensurar de que forma essas variáveis ambientais, como umidade e radiação solar, impactam na quantidade de carbono capturado na região.
O RCGI é um Centro de Pesquisa em Engenharia (CPE) constituído por Fapesp e Shell na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP).
Sobretudo, o trabalho é fruto da pesquisa de mestrado do cientista ambiental Lucas Bauer, sob orientação de Luciana Rizzo, atualmente professora no Instituto de Física da USP. Um resumo pode ser encontrado no artigo “Neural Network model for classification of net CO2 fluxes scenarios in Tapajós Forest, in Amazon”, divulgado em versão pré-print (sem revisão por pares).
“Trata-se de um trabalho interdisciplinar que reuniu duas áreas do conhecimento: as ciências atmosféricas e a ciência de dados”, explica Luciana, que integra o programa de pesquisa Greenhouse Gases (GHG) do RCGI. “Sabemos que a floresta amazônica presta um importante serviço ambiental ao remover carbono da atmosfera, mas qual seria esse grau de variabilidade, por exemplo, em anos secos ou chuvosos? Foram perguntas assim que nortearam o estudo.”
Fator Amazônia
Em busca de respostas, Bauer fez um recorte na imensidão da floresta amazônica, que ocupa 7,2 milhões de quilômetros quadrados (km2) espalhados em nove países. No caso, o foco do pesquisador foi a Floresta Nacional do Tapajós, no Pará. Onde está localizada uma das torres de monitoramento do projeto Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA), desenvolvido desde a década de 1990 pelo governo federal e vinculado ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).
Além disso, os dados registrados pela torre, disponíveis para consulta pública, serviram de fonte para Bauer. “Os números refletem uma realidade local, em um raio de cerca de 5 km. Mas nossa pesquisa é um primeiro passo que deve, em longo prazo, ser extrapolada para uma escala regional para quantificar o quanto toda a floresta amazônica consegue remover de carbono da atmosfera”, conta Luciana.
Os dados utilizados cobrem o período de 2002 a 2005. “Vale lembrar que a partir de 2005 o desmatamento passou por uma queda significativa em função do desenvolvimento de políticas públicas para combater esse problema”, prossegue a professora.
“Infelizmente, nos últimos seis anos essa taxa de desmatamento voltou a subir como demonstram os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais [Inpe]. Entretanto, a pesquisa não usou dados recentes, porque esses ainda não foram disponibilizados para consulta.”
No estudo, o pesquisador também lançou mão de informações obtidas por dois satélites da Agência Espacial Norte-Americana (Nasa) que coletam dados continuamente da atmosfera desde a década de 2000. Os registros da Nasa informam, por exemplo, o grau de espessura óptica de aerossóis. “Os aerossóis são partículas em suspensão na atmosfera que interagem com a radiação solar e interferem na remoção de carbono. Daí a importância de incluir essa informação na pesquisa”, justifica a pesquisadora.
Usando inteligência artificial
Após reunir esses dados, Bauer desenvolveu um modelo de inteligência artificial para estimar a troca de carbono naquela parte da floresta. “No estudo ele utilizou a rede neural artificial [ANN, na sigla em inglês], uma técnica de aprendizagem de máquina que consegue captar essa não linearidade entre a variável de resposta, que seria a remoção de carbono, e as variáveis preditoras, como umidade e radiação solar, por exemplo”, explica a professora.
“A rede neural simula o processamento de informação do cérebro humano para obter um conhecimento integrado a respeito de determinado cenário. As células de processamento são espécies de neurônios que recebem, processam e transmitem dados para outras células do sistema, criando assim uma rede de informação.”
A construção do modelo representou um desafio ao longo da pesquisa. “As trocas de carbono dependem de uma série de variáveis e o modelo precisava captar isso”, aponta Rizzo. “Em geral, durante a estação seca acontece maior incidência de radiação solar. Assim a floresta consegue efetuar mais fotossíntese e, consequentemente, capturar mais carbono da atmosfera. Mas, além da fotossíntese, há outras variáveis que demandam atenção. O brotamento de folhas, por exemplo, não depende exclusivamente de radiação solar: o pico do brotamento acontece em julho, enquanto o auge de radiação solar costuma se dar em setembro.”
Segundo a orientadora de Bauer, a ideia é que o modelo de inteligência artificial desenvolvido possa ser utilizado para entender outros contextos da floresta amazônica. “Nosso estudo está começando, mas aponta para resultados bastante promissores. Identificamos as variáveis preditoras com maior impacto na condição de sumidouro de carbono: estação do ano, fluxos de calor e índice de área foliar”, pontua Rizzo. “Vale dizer que a ANN nunca havia sido aplicada para entender o contexto amazônico. Somos pioneiros nesse sentido.”
De acordo com a pesquisadora, o país precisa quantificar de fato o quanto a Amazônia remove de carbono por se tratar de um serviço ambiental fundamental não apenas para o Brasil como para o planeta. “Com a evolução do mercado de carbono, nosso país poderia lucrar financeiramente com esse serviço. Ou seja, a floresta em pé é muito valiosa”, afirma.